Ele indagou de si mesmo se se tratava de uma repugnância oriunda do passado ou se inspirada também pelo seu rosto inchado e a água que o vento persistia em fazer-lhe brotar dos olhos. Tinham-se sentado em duas cadeiras de ferro, de lado mas não muito juntas. Viu que Júlia estava a pique de falar. Ela esticou alguns centímetros o pé no sapato deselegante e deliberadamente quebrou um graveto. Ele observou que os pés dela pareciam ter-se alargado.
- Eu te traí - disse ela, sem rodeios.
- Eu te traí - disse ele também.
Júlia lançou-lhe outro olhar de repugnância.
- Às vezes, - disse ela - ameaçam a gente com uma coisa... com coisas que não se pode aguentar, não se pode nem pensar. E então a gente diz "Não faças isso comigo, faz com outra pessoa, faze com Fulano e Sicrano." Mais tarde, talvez finjas que se tratava apenas de um estratagema, mandar que o fizessem a outro, e que não era a sério. Mas não é verdade. Na hora que acontece a gente fala sério. Pensa que não há outro jeito de se salvar; e se dispõe a salvar-se daquele modo. A gente quer que a coisa aconteça ao outro. Não se importa que sofra. Só nos importamos connosco. Só nós temos importância.
- Só nós temos importância -repetiu ele.
- E depois disso, já não se sente o mesmo pela outra pessoa.
-Não - concordou ele - já não se sente o mesmo.
Não parecia haver nada mais a dizer. O vento colava-lhes à pele os macacões delgados. Quase imediatamente, tornou-se incómodo ficar ali, calados: além disso, estava frio demais para continuarem sem se mexer. Ela disse qualquer coisa a respeito do trem subterrâneo e levantou-se...
- Precisamos nos encontrar outra vez - disse ele.
- Sim, precisamos nos encontrar.