Homais tinha, aliás, a cabeça mais cheia de receitas do que a sua farmácia de frascos e era exímio a fazer uma quantidade de doces, vinagres e licores; conhecia também todas as invenções novas de aparelhos de aquecimento económicas, a arte de conservar os queijos e de beneficiar os vinhos deteriorados.
Às oito horas, Justin vinha-o chamar para ir fechar a farmácia. Então, Homais deitava-lhe uma olhadela de esguelha, sobretudo quando Félicité se encontrava presente, pois descobrira que o seu aluno gostava da casa do médico.
- Este espertalhão - dizia ele - parece-me que já anda com ideias, e diabos me levem se não está apaixonado pela vossa criada!
Mas um defeito mais grave de que ele o acusava era o de escutar continuamente as conversas. Ao domingo, por exemplo, era impossível arrancá-lo da sala, aonde a Sr: Homais o chamava para lhe pegar nas crianças, que adormeciam nas poltronas, repuxando com as costas as coberturas de algodão, largas de mais.
Não vinha muita gente aos serões do farmacêutico, dado que a sua maledicência e as suas opiniões políticas haviam afastado sucessivamente diversas pessoas respeitáveis. O escriturário nunca deixava de estar presente. Logo que ouvia a campainha tocar, corria ao encontro da Sr. Bovary, pegava-lhe no xaile e ia colocar debaixo da secretária da farmácia as grossas chinelas de ourelo que ela usava por cima dos sapatos quando havia neve.
Começava-se por jogar algumas partidas de trinta e um; depois o Sr. Homais jogava ao écarté com Emma; Léon, colocado por detrás dela, dava-lhe conselhos. De pé e com as mãos nas costas da cadeira onde ela estava sentada, observava os dentes da travessa que lhe prendia o carrapicho. A cada movimento que Emma fazia para jogar uma carta, o vestido subia-lhe um pouco do lado direito.