Emma mordia os lábios descorados e, rolando entre os dedos um dos raminhos do polipeiro que ela quebrara, fixou sobre Charles o ponto ardente das pupilas, como duas flechas de fogo prestes a disparar. Tudo nele agora a irritava, o rosto, o vestuário, o que ele não dizia, toda a sua pessoa, a sua própria existência. Arrependia-se, como de um crime, da sua virtude passada, e o que dela ainda restava desabava sob os golpes furiosos do seu orgulho. Deleitava-se com todas as ironias maliciosas do adultério triunfante. A recordação do amante vinha-lhe ao espírito com atracções vertiginosas: entregava-lhe a alma, impelida para a sua imagem por um novo entusiasmo; e Charles parecia-lhe tão separado da sua vida, tão definitivamente ausente, tão impossível e aniquilado, como se fosse morrer e estivesse agonizando na sua frente.
Ouviu-se um ruído de passos na rua. Charles olhou e, através da persiana descida, distinguiu ao lado do mercado, em pleno sol, o Dr. Canivet limpando a testa com o lenço. Homais, atrás dele, levava na mão uma grande caixa vermelha e ambos se dirigiam para o lado da farmácia.
Então, por um súbito ataque de ternura e de desânimo, Charles voltou-se para a mulher, dizendo:
- Dá-me um beijo, minha querida!
- Deixa-me - disse ela, rubra de cólera.
- Que tens tu? Mas o que é que tens? - repetia ele, estupefacto.- Acalma-te! Sossega!... Sabes bem que te amo!... Anda cá!
- Basta! - gritou ela com uma expressão terrível.
E fugiu da sala, atirando a porta com tanta força que o barómetro saltou da parede e se fez em pedaços no chão. Charles deixou-se cair na poltrona, transtornado, pensando no que ela poderia ter, imaginando urna doença nervosa, chorando e sentindo vagamente circular em torno de si qualquer coisa de funesto e incompreensível.