- Não chores! - disse ela. - Em breve deixarei de te atormentar!
- Porquê? Que te levou a fazer isto?
Emma replicou:
- Tinha de ser.
- Não eras feliz? Foi por minha culpa? No entanto fiz tudo o que pude!
- Sim..., é verdade..., tu és bom!
E passava-lhe a mão no cabelo, lentamente. A suavidade daquela sensação sobrecarregava a tristeza de Charles; ele sentia-se afundar no desespero com a ideia de que a tivesse de perder quando, precisamente, ela lhe manifestava mais amor que nunca; não se lembrava de nada; não sabia, não tinha a coragem, completamente desorientado pela urgência duma resolução imediata.
Entretanto Emma reflectia que tinham acabado todas as traições, as baixezas e as inumeráveis concupiscências que a torturavam. Agora não tinha ódio a ninguém; uma confusão crepuscular abatia-se-lhe sobre o pensamento, e, de todos os ruídos da Terra, apenas ouvia já o lamento intermitente daquele pobre coração, vago e indistinto, como o último eco duma sinfonia que se afasta.
- Tragam-me a pequena - disse ela, soerguendo-se sobre o cotovelo.
- Não estás pior, pois não? - perguntou Charles.
- Não!, não!
A criança veio nos braços da criada, com a longa camisa de dormir, donde lhe saíam os pezitos descalços, muito séria e ainda quase a sonhar. Olhava com espanto o quarto todo em desordem e piscava os olhos, ofuscada pelos castiçais que brilhavam em cima dos móveis. Lembravam-lhe sem dúvida o dia de Ano Novo ou o da mi-carême, quando, acordada assim muito cedo à luz das velas, vinha até à cama da mãe para receber as prendas, porque se pôs a dizer:
- Então onde está, mamã?
E, como todos se calassem:
- Mas não vejo o meu sapatinho!
Félicité inclinava-a na direcção da cama, enquanto ela continuava a olhar para o lado da chaminé.