E assim avançava, cheio da bondosa majestade que a consciência de um grande talento, a sorte e quarenta anos duma existência laboriosa e irrepreensível conferem.
Logo na porta franziu o sobrolho, avistando o rosto cadavérico de Emma, estendida de costas, com a boca aberta. Depois, dando a impressão de escutar Canivet, passava o indicador pelo bigode e repetia:
- Está bem, está bem.
Mas fez um gesto lento com os ombros. Bovary olhou para ele; fixaram-se um ao outro; e aquele homem, apesar de tão habituado ao aspecto da dor, não pôde conter uma lágrima que lhe caiu sobre o peitilho.
Quis levar Canivet para o quarto contíguo. Charles acompanhou-o.
- Está muito mal, não é? Se lhe aplicássemos sinapismos? Eu nem sei!
Veja o Sr. Professor se descobre qualquer coisa, já tem conseguido salvar tanta gente!
Charles cingia-lhe o corpo com os dois braços e fitava-o com ar desvairado, suplicante, meio desfalecido, apoiando-se-lhe no peito.
- Então, meu pobre rapaz, é preciso coragem! Não há nada a fazer. E o Dr. Lariviêre voltou-se.
- Vai-se embora?
- Já venho,
Saiu, como que para dar uma ordem ao postilhão, juntamente com Canivet, que também não estava interessado em ver Emma morrer-lhe nas mãos.
O farmacêutico reuniu-se-lhes na praça. Não podia, por temperamento, separar-se das pessoas célebres. Por isso suplicou ao Dr. Lariviere que lhe concedesse a elevada honra de aceitar o convite para o almoço.
Mandaram logo à pressa buscar borrachos ao Leão de Ouro, tudo o que restava de costeletas no talho, natas a casa do Tuvache, ovos a casa de Lestiboudois e o próprio boticário ajudava nos preparativos, enquanto a Sr. Homais dizia, apertando os cordões do corpete:
- O Sr. Doutor desculpará; porque nesta triste terra, quando não estamos prevenidos de véspera.