Havia ali vestidos de cauda, grandes mistérios, angústias dissimuladas por trás dos sorrisos. Vinha a seguir a sociedade das duquesas; todos tinham uma cor pálida; levantavam-se às quatro horas; as mulheres, pobres anjos!, usavam rendas da Inglaterra na orla dos seus saiotes e os homens, capacidades ignoradas sob um exterior de futilidade, rebentavam cavalos por divertimento, iam passar em Bade a época de Verão e, finalmente, por volta dos quarenta anos, casavam-se com herdeiras. Nos gabinetes dos restaurantes onde se ceia depois da meia-noite divertia-se, à luz das velas, a multidão mista dos homens de letras e das actrizes. Esses eram pródigos corno reis, cheios de ambições ideais e de delírios fantásticos. Era uma existência acima das restantes, entre o céu e a terra, nas tempestades, qualquer coisa de sublime. Quanto ao resto das pessoas, perdia-se, sem lugar definido, como se não existisse. Aliás, quanto mais próximas estivessem as coisas, mais o pensamento se lhe desviava delas. Tudo quanto a rodeava de perto, o campo enfadonho, burguesinhos imbecis, mediocridade da existência, lhe parecia uma excepção no mundo, um acaso particular a que se achava ligada, enquanto para além se estendia, a perder de vista, o imenso país das felicidades e das paixões. Nos seus desejos, ela confundia as sensualidades do luxo com as alegrias do coração, a elegância dos costumes com a delicadeza do sentimento. Não precisaria o amor, como as plantas da Índia, de terrenos preparados, de uma temperatura determinada? Os suspiros ao luar, os abraços prolongados, as lágrimas correndo sobre as mãos que se abandonavam, as febres da carne e a languidez da ternura não podem pois separar-se da varanda dos grandes palácios onde há muito tempo de lazer, ou de uma antecâmara com reposteiros de seda e uma espessa alcatifa, jardineiras bem enfeitadas e um leito sobre um estrado, ou ainda do cintilar das pedras preciosas e dos alamares das librés.
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Páginas: 382
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