Forte em todos os jogos de cartas, bom caçador, tinha uma boa caligrafia e, em casa, possuía um torno onde se entretinha a tornear argolas para guardanapos, com que enchia a casa toda, com o zelo de um artista e o egoísmo de um aldeão.
Dirigiu-se para a sala pequena; mas primeiro foi preciso mandar embora os três moleiros; e, durante o tempo que levou a dispor-lhe o talher na mesa, Binet manteve-se em silêncio no seu lugar, ao pé do fogão; depois fechou a porta e tirou o boné, como costumava fazer.
- Não gasta a língua a cumprimentar ninguém! - disse o farmacêutico, logo que ficou sozinho com a hospedeira.
- Nunca conversa mais do que isto - respondeu ela. - Estiveram cá, na semana passada, dois negociantes de panos, rapazes com muita graça que, à noite, contavam uma série de histórias que me faziam chorar a rir; pois bem, ele ali ficava, como um sável, sem dizer uma palavra.
- É - disse o farmacêutico -, não tem imaginação, nem espírito de humor, nada do que constitui um homem de sociedade!
- Dizem, no entanto, que tem meios - observou a estalajadeira.
- Meios? - replicou o Sr. Homais. - Ele? Meios? Na sua especialida-
de é possível - acrescentou em tom mais calmo.
E continuou:
- Lá que um negociante com um movimento considerável, um jurisconsulto, um médico ou um farmacêutico andem de tal modo absortos que se tornem extravagantes e até intratáveis, compreendo; citam-se casos desses na história! Mas, pelo menos, é por pensarem em qualquer coisa. Eu, por exemplo, tem-me muitas vezes acontecido andar à procura da pena em cima da secretária para escrever uma etiqueta e acabar por encontrá-la entalada atrás da orelha!
Entretanto, a Sr. Lefrançois foi até à porta ver se chegava a Andorinha. Nisto estremeceu Um homem vestido de preto entrou subitamente na cozinha.