.. Ainda não morreu na tua alma essa santa afeição que sempre me tiveste?
- Se ainda o amo, Fernandinho! Pois será possível que um amor semelhante se extinga em peito humano?... Acaso me compara a muitas dessas mulheres que têm o fogo na palavra, mas a dissimulação nos gestos e o gelo no coração? Ah! vejo que me considerou sempre muito mal e... talvez tenha razão em assim pensar, porque as mulheres miram quase sempre a mesma recompensa pelos seus sacrifícios, têm um fim oculto no amor que juram àqueles que as acreditam cegamente, e, para conseguir essa recompensa e atingir esse fim, imolam muitas vezes a sua própria vontade e usam de todas as dissimulações de que podem lançar mão; mas no coração, por fim, lá existe esse vácuo, essa realidade mesquinha, que aparece no próprio momento em que se convencem que o homem que fascinaram com as suas mentidas expressões acordou, para jamais adormecer às modulações dos seus cânticos fascinadores...
É assim, Fernandinho, a maior parte dos corações humanos, e a experiência há de ter-lho demonstrado por muitas e muitas vezes... Enquanto a mim, sem lisonja para os meus afetos, juro-lhe que foi outro o sentimento que me impeliu para si: amei-o com todas as forças da minha alma; amei-o franca e sinceramente, sem embustes, sem mirar a fim algum. Anelava primeiro o seu amor puro e santo como o meu; desejei depois só a sua estima; e, afinal, conhecendo que nem um nem outro sentimento pudera conseguir, julguei-me verdadeiramente ditosa, vendo-o feliz, se não comigo, ao menos com outra que lhe soube inspirar esse amor que eu jamais pudera infiltrar-lhe no coração...
Depois, sentindo que nada mais tinha a esperar neste mundo, comecei a olhar a morte como um remédio salutar para os meus sofrimentos, e encarei-a firme e impávida, esperando o seu derradeiro golpe.