- Visto isso, tenho sido iludido até hoje? - murmurou o pobre rapaz, esforçando-se por conter a sua comoção.
- Não que eu te iludisse; tu é que te iludiste.
- Tens razão, Rosa; eu nunca deveria ter aspirações à tua estima; sou um pobre enjeitado...; não tenho sequer um palmo de terra...; além disso, não sei dizer essas palavras arteiramente estudadas com que se prendem os corações...
- António! - exclamou a Rosa do Adro, sentindo afluir-lhe o sangue no rosto. - Não sei a quem te referes; desejava que te explicasses.
- Quero falar desse senhor que por aqui costuma passar todas as tardes; antes de ele vir lá do inferno, tu eras muito outra do que hoje és; falavas para todos, com todos te rias, dançavas, cantavas e vinhas sempre alegrar as nossas festas com a tua presença; agora, porém, dá-se bem o contrário; foges de todos nós, já poucas vezes se ouve a tua voz alegre, e passas horas e horas encostada à janela a olhar para a Lua, como se visses nela o retrato do Sr. Fernando, que é todo o teu feitiço!... Estás servida, rapariga; crê nas suas promessas, toma-lhe uma amizade cega e depois verás o pago que ele te dá...
Rosa não pôde ouvir mais. Ferida no íntimo do coração por ouvir falar assim daquele que já lhe era tão caro, levantou-se impetuosamente, encarou o jovem com um aspeto cheio de desprezo e exclamou encolerizada:
- Nunca, nunca consentirei que na minha presença fales assim de uma pessoa a quem estimo; não tenho culpa das tuas tolices, e além disso sou nova, solteira, e por isso posso entregar o meu coração, e a minha alma até, a quem muito me aprouver; quanto a ti, não te faltam raparigas que te mereçam; eu é que nunca poderei retribuir-te a afeição que mostras ter-me.
António ficou como petrificado ao ouvir aquelas palavras.