De todos era o António o seu mais afeiçoado, aquele em quem depositava toda a confiança, e ao qual tratava com mais deferência do que nenhum dos outros, tendo-lhe até entregado a administração da sua casa.
Este rapaz, que lhe merecia tanta afeição, trouxera-o ele, da idade de cinco ou seis anos, do hospício dos expostos no Porto, e tal amizade lhe votara, que se dispusera a dar-lhe uma educação esmerada, tencionando até fazê-lo seguir uma carreira muito diferente daquela que viera a ter. A pronunciada tendência do jovem para a vida do campo e a pouca ou nenhuma vontade de se entregar a estudos sérios dissuadiram, porém, o padre do seu primeiro intento, e, sem contrariar-lhe a vocação, ensinara-o contudo a ler e a escrever, instruindo-o, além disso, em tudo o que pudesse vir a ser-lhe útil, de forma que António, apesar da rusticidade da sua profissão, tornou-se um rapaz inteligente e mais ilustrado do que nenhum dos outros seus companheiros, motivo porque também eles o tinham em certa consideração e respeito.
Ora, na época dos amores de Rosa com o filho do Capitão, o padre Francisco notara desde certo tempo o abatimento e tristeza do seu protegido, e, sem poder atinar com a causa daquela repentina mudança, resolvera sabê-la da própria boca dele, e para isso só esperava ocasião oportuna.
Esse dia chegou enfim, e foi exatamente o oitavo depois da primeira entrevista noturna que os dois amantes tinham tido no quintal de Rosa.
Estava o venerando ancião sentado, segundo o seu costume, junto de uma varanda que dava para o campo, aquecendo a uma nesga de sol os membros que já começavam a regelar-se-lhe e entretendo o espírito com a leitura de um pequeno livro que tinha entre as mãos, quando António, entrando no aposento, veio interrogá-lo sobre objetos de serviço doméstico.