Talvez Léon se não lembrasse já daquelas ceias depois do baile, com aventureiras; e, naturalmente, Emma não se recordava dos seus encontros anteriores, quando corria de manhã pelo meio das ervas, em direcção ao castelo do amante. Os ruídos da cidade mal lhes chegavam aos ouvidas; e o quarto parecia pequeno, mesmo apropriado para acentuar mais a solidão de ambos. Emma, vestida com um penteado r de bombazina, apoiava o carrapicho nas costas da poltrona velha; o papel amarelo da parede fazia uma espécie de fundo dourado atrás dela; a cabeça descoberta reflectia-se no espelho com o risco claro ao centro e as pontas das orelhas mostrando-se por baixo dos bandós.
- Mas desculpe - disse ela -, eu não devia falar desta maneira! Estou a maçá-lo com as minhas eternas lamúrias!
- Não, nunca, de modo nenhum!
- Se soubesse - prosseguiu ela, erguendo para o tecto os seus belos olhos, onde bailava uma lágrima - tudo quanto eu tinha sonhado!
- E eu então! Quanto sofri! Muitas vezes saía, desaparecia, arrastava-me pelos cais, atordoava-me com o barulho da multidão, sem poder ver-me livre da obsessão que me perseguia. Na avenida principal, numa loja de estampas, há uma gravura italiana que representa uma Musa. Tem uma túnica vestida e contempla a Lua, com miosótis sobre a cabeleira solta. Qualquer coisa me atraía constantemente para ali; passei lá horas inteiras.
Depois, com uma voz trémula:
- Parecia-se um pouco consigo.
A Sr. Bovary voltou a cara, para que ele não lhe visse nos lábios o irresistível sorriso que não podia conter.
- Muitas vezes - continuou ele - escrevia-vos cartas, que depois rasgava.
Emma não respondia. O rapaz continuou:
- Imaginava às vezes que o acaso a pudesse trazer.