As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 17: XVII Pág. 117 / 332

Outro frade, que tinha notado isto, não pôde ter mão em si que lhe não perguntasse com aquela voz de lamúria de franciscano manhoso: «Em que pensais vós, irmão, quando com tanta atenção olhais para este quadro?» «Nos tormentos que por nós padeceu o Salvador» - respondeu-lhe o tal. «E longos foram na verdade!» - continuou o primeiro. «Mas porque esta pintura, mais do que as outras, vos traz tão santas ideias? Não tendes na sacristia a do descimento da Cruz e aquela do Senhor preso à coluna?» «É verdade, irmão - diz-lhe então o franciscano com cara de mortificação - é verdade, mas olhai que não menor tormento era este de ter doze pessoas à mesa e tão pouco de comer em cima dela».

E João Semana, dizendo isto, roçou as esporas pela barriga da égua e partiu, acompanhado de uma grande gargalhada do reitor, que era perdido por as anedotas de João Semana.

- Onde diabo vai este homem buscar estas coisas! - dizia o reitor, chorando de tanto que se ria.

E João Semana ia quase a dobrar a esquina, quando de novo o suspendeu a voz do padre, bradando-lhe:

- Ó João Semana; olha lá.

- Que é? - respondeu o facultativo já com certo mau humor.

- Tu queres que eu fique hoje sem jantar?

- É só uma pergunta.

- Dize.

- Não sabes que chegou ontem o Danielzito do Dornas?

- Como não sei? Pois não estive eu já com ele?

- Ah, sim? E então que te parece o homem?

- Que me há-de parecer? Bem - e depois acrescentou: - Bem e mal.

- Como é isso? Bem e mal!

- Sim, o rapaz é talentoso e nas cidades talvez fizesse figura; para aqui não serve.

- Ah! João Semana!... Ciúmes...

- Estás doido? Tomara eu que ele me descarregasse de parte desta tarefa, mas... Diz-me lá tu se aquele corpo franzino, aquela pele de mulher pode aturar metade, a quarta parte, a décima parte do que eu tenho aturado.





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