XXII No dia seguinte Daniel voltou. A família Esquina, até sem excepção do elemento masculino, sorriu-lhe cordialmente.
O que fizera esquecer assim ao tendeiro as suas negras apreensões e abrira em sorrisos aqueles sobrecenhos da véspera?
O leitor, que toma a peito, decerto, a varonil rijeza de carácter do tesoureiro da confraria do Sacramento, não me perdoaria, se eu não explicasse o fenómeno.
Foi o caso que, na véspera, depois que Daniel se retirou, a menina Francisca, ainda pensativa e enleada, veio à janela para o ver passar e, ao perdê-lo de vista, retirou-se suspirando.
Este suspiro entrou pelos ouvidos da mãe, a qual chegava à sala naquela ocasião.
A Sr.ª Teresa teve uma ideia.
Este fenómeno dava-se, de vez em quando, na esposa do Sr. João da Esquina.
- Tem umas maneiras muito bonitas este rapaz - disse ela, fixando na filha o olhar mais investigador que tinha à sua disposição.
- Tem - respondeu esta secamente.
- Ou ele ou o João Semana, a quem ninguém pode tirar da boca uma palavra delicada. Este é coisa mais fina.
- É - replicou a outra.
- Bem mostra que tem vivido entre gente polida e educada.
- Bem - continuava a menina.
- E não lhe hão-de faltar bons casamentos a este rapaz.
- Não - dizia a filha.
- Isso há-de ser bonito agora. Todas as raparigas da terra a enfeitarem-se para lhe agradar. Há-de ter que ver.
- Há-de.
A Sr.ª Teresa principiava a impacientar-se com o laconismo da filha.
- Mas acham-se muito enganadas - continuou ela; - um rapaz assim não cai facilmente. Estas nossas raparigas são umas estúpidas. Louvado seja Deus! Não sabem dizer duas palavras. E desembaraço é o que se quer.
- É… - E porque não o hás-de tu ter, menina? - acrescentou ela, em tom mais baixo e insinuante.