XXXV A cena a que, um tanto imprevistamente, fizemos, no último capítulo, assistir o leitor, exige de nós algumas palavras de explicação.
Releve-se-nos portanto a rápida digressão retrospectiva, em que vamos entrar.
Daniel, como tínhamos dito, prometera a si próprio falar, uma vez ainda, a Clara, para atenuar a má impressão que a sua última entrevista pudesse ter deixado no espírito da rapariga, e inspirar- -lhe de novo a confiança perdida.
Parecerá talvez um meio singular este de corrigir os efeitos de um passo imprudente por outro mais imprudente ainda; mas a razão humana, sofismando com a maior candura do mundo, concebe muitas vezes projectos assim.
Em Daniel, sobretudo, eram frequentes estas resoluções irreflectidas.
Inspirava-lhas um sentimento de mal fundado brio; mas nem sempre era bastante a força do seu carácter para briosamente as sustentar até ao fim.
Não aprendera ainda a desconfiar de si, a ponto de fugir, como devia, a essas ocasiões de tentação.
Foi por isso que, esquecido já das suas promessas a Clara, renovou outra vez os antigos passeios pelas circunvizinhanças da casa dela, sempre com esperança de obter a entrevista, que imaginara necessária à reivindicação do seu crédito.
Clara evitava porém todos os ensejos de se encontrar com ele; constrangendo-se até para isso a estreita reclusão.
Depois da cena da fonte, prometera ela a sua irmã e ao reitor não falar mais com Daniel, até estar efectuado o casamento, que o pároco mais que nunca procurou acelerar.
Assim, todas as tentativas de Daniel para vê-la e falar-lhe, ou na rua ou na janela, saíam-lhe baldadas.
Longe de o desanimar este mau êxito, antes o estimulou, e, irritado pelas dificuldades que encontrava, formou resolução mais audaz.