Pelas dez horas da manhã desse dia estava Margarida na sala, onde ordinariamente trabalhava, tendo, à volta de si, uma turba de rapariguinhas, ocupadas em diversos trabalhos de costura.
Em pé, junto dela, dava uma destas lição de leitura. Margarida seguia o texto, olhando por cima dos ombros da criança, corrigindolhe os erros, às vezes com um sorriso de afabilidade, outras com uma inflexão de voz maternalmente severa. Era nos Evangelhos que a pequena lia.
O reitor recomendara o livro a Margarida, dizendo-lhe que o ensinasse às discípulas, que era guia seguro.
A criança lia naquele momento a parábola do filho pródigo, em S. Lucas.
- «E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o Céu e diante de ti: e daqui em diante não sou digno de ser chamado teu filho:
Disse, porém, o pai aos seus servos: Tirai o melhor vestido e vesti-lho e metei-lhe um anel no dedo e os sapatos nos pés:
E trazei o bezerro gordo, e matai-o, e comamos e alegremo-nos:
Porque este meu filho era morto e reviveu, e tinha-se perdido e achou-se: E começaram a alegrar-se.» O reitor, que não usava cerimónias em casa de suas pupilas, entrou neste momento com Daniel, na sala imediata. Percebendo que Margarida ainda estava ocupada com a tarefa, que tão de boa vontade tomara sobre si, disse a Daniel, convidando-o com um gesto a sentar-se e fazendo-lhe ao mesmo tempo sinal para que não interrompessem a lição:
- Esperemos. São perto de onze horas. Deve estar a acabar. - E acrescentou, suspirando: - Que rapariga esta, meu Deus! Depois do que se passou ontem, já hoje a cumprir as suas obrigações, com aquela santa serenidade do costume! É admirável, na verdade! E depois - continuou ele, falando ainda a meia voz - se soubesse, Daniel, como nobremente se votou ao trabalho, ela, a quem a irmã franqueava tudo quanto possuía? Outra que fosse.