I Como homem de família, não havia também que pôr a boca em José das Dornas. Em perfeita e exemplar harmonia vivera vinte anos com sua mulher, e então, como depois que viuvara, manifestou sempre pelos filhos uma solicitude, não revelada por meiguices - que lhe não estavam no génio - mas que, nas ocasiões, se denunciava por sacrifícios de fazerem hesitar os mais extremosos.
Eram dois estes filhos - Pedro e Daniel. - Pedro, que era o mais velho, não podia negar a paternidade. Ver o pai era vê-lo a ele; - a mesma expressão de franqueza no rosto, a mesma robustez de compleição, a mesma excelência de musculatura, o mesmo tipo, apenas um pouco mais elegante, porque a idade não viera ainda exagerar a curvatura de certos contornos e ampliar-lhe as dimensões transversais, como já no pai acontecia. Conservava-se ainda correcto aquele vivo exemplar do Hércules escultural.
Pedro era, de facto, o tipo da beleza masculina, como a compreendiam os antigos. O gosto moderno tem-se modificado, ao que parece, exigindo nos seus tipos de adopção o que quer que seja franzino e delicado, que não foi por certo o característico dos mais perfeitos homens de outras eras.
A organização talhara Pedro para a vida de lavrador e parecia apontá-lo para suceder ao pai no amanho das terras e na direcção dos trabalhos agrícolas.
Assim o entendera José das Dornas, que foi amestrando o seu primogénito e preparando-o para um dia abdicar nele a enxada, a fouce, a vara, a rabiça e confiar-lhe a chave do cabanal, tão repleto em ocasiões de colheita.
Daniel já tinha condições físicas e morais diferentes. Era o avesso do irmão e por isso incapaz de tomar o mesmo rumo de vida.
Possuía uma constituição quase de mulher. Era alvo e louro, de voz efeminada, mãos estreitas e saúde vacilante.