XV Pedro foi quem, ao cerrar da noite, pôs fim a este interrogatório, que levava jeitos de eternizar-se.
- Vem daí dar um passeio, Daniel; e de caminho hei-de mostrar- te minha mulher... a que há-de ser.
- Ah!... é verdade que estás para casar. Estimo que me dês ocasião de tomar desde já conhecimento com a que, dentro em pouco, chamarei irmã. Espero encontrá-la digna de ti. Vamos lá.
- Ide, ide, rapazes - observou José das Dornas. - Vais ver uma guapa cachopa, Daniel. Mas, é verdade, tu conhece-la... É uma filha do Meadas.
- Ah!... sim... tenho uma ideia.
Cumpre-me confessar que Daniel não tinha tal ideia das filhas do Meadas. Enquanto esteve no Porto, e até nos curtos intervalos de férias que passara na terra, vivera ele muito estranho à vida do campo, para se recordar ainda das alcunhas, pelas quais, na aldeia, mais geralmente são conhecidas as famílias, do que ainda por os verdadeiros nomes e sobrenomes.
José das Dornas é que tinha uma ideia ao dizer aquilo; era a de fazer lembrar ao filho o episódio da infância, que decidira da sua vida inteira.
Mas, ainda que sob o risco de indispor o ânimo das leitoras contra um dos principais personagens desta singelíssima história, farei aqui a desagradável, mas conscienciosa declaração, de que a imagem de Margarida andava, por aquele tempo, tão desvanecida já na memória de Daniel, que nem o nome, pelo qual fora sempre designada na terra a família da rapariga, lhe pôde avivar os traços.
Havia muitos anos que Daniel observava um sistema de vida, que todo o trazia desafeito dos hábitos campestres e indiferente às coisas e pessoas da localidade que o vira nascer.
Encarnara-se intimamente nele o espírito das cidades. As momentosas questões que ocupavam as cabeças sérias da aldeia, faziam-no sorrir; as distracções que entretinham as mais levianas, obrigavam-no a bocejar.