XVI Os dois irmãos dirigiram-se ao lugar onde, segundo as indicações de Margarida, deviam encontrar Clara.
O ranger da bomba do poço, e a voz da alegre rapariga, que cantava - pois nela dir-se-ia ser o canto, como nas aves, a mais natural expressão - serviram-lhe de guia.
Tomando por uma rua extensa, revestida de limoeiros, através de cuja espessura coava já, a custo, a claridade nascente do luar, conseguiram aproximar-se, sem que fossem percebidos.
Clara cantava:
Vem livrar-me com teus olhos,
Que eu por eles me perdi;
Dá-me a vida com teus beijos,
Já que por beijos morri.
Porém, ao voltar naturalmente a cabeça, descobriu Pedro na companhia do irmão; vendo-se surpreendida assim, interrompeu de súbito o trabalho e o canto e, meia confusa, saudou-os com os olhos baixos e a voz embaraçada.
Foi curta a apresentação, e em nada cerimoniática. Pedro odiava etiquetas, ou antes, ignorava-as.
A figura de Clara, inundada pelos raios da Lua, que já se levantava esplêndida no horizonte, fez conceber a Daniel uma subida opinião do bom gosto de seu irmão.
Não era Daniel homem para se coibir, por acanhamentos, em observação, que tanto o deleitava. Sem disfarces, nem precauções analisava, feição por feição, aquela fisionomia simpática, e como que lhe delineava com a vista o perfil, onde se continuavam graciosamente, por suaves inflexões, as mais elegantes curvas.
Clara, adivinhando-se objecto daquela inspecção minuciosa de conhecedor e entusiasta, não ousava erguer os olhos. Dir-se-ia que, magicamente condensados, os raios visuais, que a envolviam daquela maneira, lhe tomavam os movimentos, até mal a deixarem respirar.
Pedro sentia certo desvanecimento, lendo a tácita aprovação da sua escolha, na expressão do olhar do irmão.