XLII Muito antes da hora, à qual o reitor viera encontrar Margarida abandonada das suas discípulas e, possuído de indignação, a constrangera a acompanhá-lo em passeio pelos caminhos da aldeia, saía Clara do cemitério paroquial, aonde fora visitar a sepultura de sua mãe. Caminhava, vagarosa e pensativa, a irmã de Margarida, por a alameda contígua, e tão distraída ia que, ao passar pela porta lateral da igreja, não reparou que uma sua conhecida, e nossa também, a estava observando de lá.
Era a Sr.ª Joana, que, achando-se com vagar aquela manhã, resolvera cumprir uma antiga promessa a Santa Luzia, que a livrara, havia meses, de impertinente doença de olhos. Outra causa porém além desta, e menos piedosa, a impelira a devoção tão matinal.
Depois da altercação, que valentemente sustentara na véspera com a tia Josefa da Graça, a criada de João Semana, de volta aos lares domésticos, lembrou-se de muita coisa, que lhe podia ter dito, e que na ocasião não lhe ocorrera.
Isto, que sucedeu a Joana, quer-me parecer que há-de ter já sucedido também ao leitor; quase sempre as grandes, as boas lembranças, os argumentos mais felizes para fazer emudecer adversários, vêm-nos extemporâneos, visitam-nos à cabeceira do leito, luminosos, mas tardios.
A Sr.ª Joana ganhou pois vontade de ter novo encontro addenda de amabilidades, que lhe estavam ocorrendo, a todo o instante, e cada vez mais preciosas.
Frustrou-se porém este plano, porque a beata tinha sido chamada aquela manhã por suas devoções a outra igreja.
Joana ia já a retirar-se desconsolada, quando avistou Clara na alameda.
Vendo que não era percebida por ela, chamou-a.
- Fale à gente. Então que modos são esses agora? Passa por uma pessoa, como cão por vinha vindimada!
- Não a tinha visto - disse Clara, parando à espera dela.