II - Óti’ Tomásia - dizia, ao vê-lo passar, uma velha que, sentada ao soalheiro, fiava, rezava padre-nossos e cabeceava com sono - o pequeno do José das Dornas anda agora nos estudos?
- Pois não sabe que o pai o quer pôr a padre? - respondeu a vizinha da porta de cima, ao passo que desenredava uma meada e fazia soltar à dobadoura os mais inarmónicos gemidos.
- Toma que te dou eu! A coisa vai de grande então!
- Bem se diz: mais anda quem tem bom vento, do que quem muito rema. Verá você, ti’ Custódia, que o Pedro, que se mata com trabalho, há-de ter sempre vida de galés, sem nunca levantar cabeça; e o pelém do irmão é que há-de pimpar de senhor e dar leis em casa.
- Uma coisa assim! Já agora havia mister de um senhor abade ou cónego na família! Ora este mundo sempre está!
- E então veja que padre aquele! A mim não me engana a pinta. É de boa raça. Não tem dúvida nenhuma.
- Sai ao lado da mãe, vizinha. Lembra-se do tio dele? - o Joaquim do Morgado. Que menino!
A inflexão com que este - que menino! - foi pronunciada, era altamente significativa. É de crer que o referido Joaquim do Morgado, cunhado de José das Dornas, deixasse indeléveis recordações entre as mulheres da sua época.
- Se me lembra! Aquilo era uma coisa por maior. Bastava dar- -lhe um bocado de trela, que ele aí estava. Nanja eu, comigo nunca ele fez farinha.
E, dizendo isto, desviava a cara e abaixava-se para apanhar o novelo que deixara cair, enquanto a vizinha fazia um gesto e resmoneava um aparte ininteligível, que ambos pareciam contrariar a última asserção da velha e pôr em dúvida a sua apregoada isenção de outros tempos.
- Nem comigo, ti’ Tomásia - disse, em tom já elevado, esta do aparte - nem comigo, que ele bem sabia com quem se metia.