XXXII Daniel cumpriu a promessa que fizera.
No dia seguinte, à hora costumada, não passou por casa das duas raparigas.
Era de admirar nele esta pronta condescendência às opiniões do público.
A própria Clara não tinha esperado encontrá-lo tão dócil; não ousamos dizer que também o não tinha desejado, ainda que dos frequentes olhares que dirigia para o sítio, donde todos os dias costumava vê-lo aparecer, alguém tiraria talvez essa ilação.
Cerrava-se a noite. Havia muito que o toque das Ave-Marias tinho ido perder-se nas mais distantes serras, que limitavam o horizonte. O fumo das choças e das herdades difundira-se sobre a aldeia. O zumbido dos ralos, essa incómoda sinfonia, com que rompem no estio as harmonias do crepúsculo, era atordoador.
Principiavam a cintilar as estrelas do céu; apenas, muito para o ocidente, uma estreita faixa luminosa restava ainda do dia que fenecera.
Clara saiu de casa, em direcção a uma pequena fonte que havia nas proximidades dela, e ao fim da estreita rua, que acompanhava o muro do quintal.
De dia, era esta fonte muito procurada em virtude da excelência das águas, gabadas de tempos imemoriais pelos clínicos da localidade, quase como milagrosas em infinitos casos de doenças, não obstante a quase absoluta carência de princípios medicinais não justificar a nomeada.
Depois das Trindades, porém, o solitário e sombrio do lugar afugentava a gente supersticiosa do campo.
Clara, criada de pequena por aqueles sítios, e, desde então, costumada a não os temer, de propósito escolhia estas horas para mais à vontade fazer a sua provisão de água e demorava-se ali sem a menor sombra de terror, antes cantando sempre, com ânimo desafogado.
Como o leitor decerto prevê, não era nenhum monumento arquitectónico a fonte de que falamos.