- Bem! - disse João Semana, ao concluir a sua refeição. - Estou como um abade! O pior é ter agora de sair para ir visitar a Sr.ª D. Leocádia.
- Sair, já? Isso tem tempo - acudiu a criada.
- Como? Pois ainda havia de as fazer esperar mais?
- Descanse ao menos um bocado. Está costumado a passar pelo sono, e, se o não faz, fica doente para todo o dia.
- Que remédio senão ter paciência!
- É um bocado mais.
- Nada, nada, não pode ser. Vou sair já - insistiu João Semana, procurando porém uma posição mais cómoda, com grave risco da resolução que exprimia. Joana percebeu este movimento e previu o que sucederia, se conseguisse entreter o amo cinco minutos mais. Não hesitou:
- Ainda se fosse para outra parte, não digo que não; mas para casa da D. Leocádia?... Eu já sei o que querem dizer aquelas pressas.
A D. Leocádia esta manhã, provavelmente, abriu a boca três vezes ou espirrou duas, e por isso imagina já que está a morrer.
Louvado seja Deus, nunca vi quem tenha mais medo de adoecer!
Uma coisa assim! Não é senhora de meter um bocado de pão na boca, sem perguntar ao cirurgião se lhe poderá fazer mal. Pois não se lembra daquela vez que o mandou chamar, porque tinha deixado de noite, por esquecimento, uma açucena no quarto, e pela manhã julgou que estava envenenada?
- É verdade - dizia João Semana, fechando os olhos e bocejando.
- Não era açucena, era uma bela... ah! ah! ah! ai... - isto foi um bocejo que o interrompeu, e com voz já mal percebida concluiu depois: - era uma beladona.
- Ou isso.
Joana espiando, como médico atento, estes sintomas, prosseguiu:
- Esta gente parece de vidro.