As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 33: XXXIII Pág. 238 / 332

Experimentava-o Daniel então.

- Têm razão os que desconfiam de mim - pensava ele - conhecem-me melhor, do que eu próprio. Que subtis distinções ando eu a marcar por aí, entre o meu proceder e o de muitos miseráveis, que me causam tédio e desprezo? Que ridículas lamentações do homem não compreendido são as minhas? É no que se vingam sempre aqueles, cujos sentimentos inspiram aversão geral... Clamam que ainda não encontraram espírito ou coração de harmonia com o seu. Vejamos. Pois não é infame o meu procedimento? Que lhe falta para ser completamente infame? Que espero eu de Clara? Para que a persigo? Para que a procurei hoje? - Não hesitei em dar estes passos que, na aparência, a podem perder... E hesitaria em perdê- -la na realidade? Quem mo assegura? Tenho acaso certeza disso?

E, passeando mais agitado ainda, conservou-se por muito tempo sob o domínio desta ideia. - Depois continuou com mais exaltação:

- Tenho, sim. Não rebaixemos também a tal ponto os nossos sentimentos.

Eu sou volúvel, imprudente, inconsiderado; conheço-o; e odeio-me, quando me vejo assim; porém não sou perverso, porém não sou capaz duma paixão vil, porém não sou capaz duma traição infame... Queria que me acusassem de tudo, mas que não me suspeitassem disso, e muito menos Clara, essa generosa rapariga, e muito menos o reitor, esse homem honrado... Mas que importam as minhas intenções, se dou lugar a que se diga, a que se possa pensar uma calúnia?

Se não fosse hoje o reitor, a quem a Providência parece haver inspirado, que se diria amanhã nesta mexeriqueira terra? - De mim, digam lá o que quiserem; mas daquela rapariga... - É tempo de me fazer outro homem. E poderei consegui-lo? Este meu temperamento é duma mobilidade! Pequenas causas fazem-lhe perder o equilíbrio, que por momentos a razão consegue dar-lhe.





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