O Retrato de Ricardina - Cap. 3: CAPÍTULO III – REAÇÕES Pág. 12 / 178

CAPÍTULO III – REAÇÕES

- Jantar na mesa! - tinha dito imperiosamente o abade.

Jantou à tripa-forra, tomou café placidamente no caramanchel do jardim, mandou passear as filhas, e ficou palestrando com D. Clementina em assuntos alegres conducentes à elaboração de um bom quilo.

Em seguida, foi vendo os frutos vingados nas árvores, e conversando em termos brandos com a senhora, que lhe admirava o sossego, sem atrever-se a abrir-lhe oportunidade para falar da filha.

Deu ele azo perguntando a D. Clementina que lhe parecera Ricardina.

- Pobre pequena! - disse a medo a senhora.

- Bem pobre... - confirmou o abade.

Nisto, como o sol ainda apertasse, entraram num túnel de murtas e ciprestes, que não deixavam ao sol zebrar o chão apaulado, nem entrever para fora, onde se levantava em cerco um renque de faias entrelaçadas com olmeiros. E conversavam.

Norberto Calvo tinha visto as duas meninas no pomar. Ricardina estava chorando encostada ao seio de Eugénia. O criado não ousou perguntar a sua ama porque chorava. Afastou-se triste, e foi trabalhar no campo convizinho do túnel. Quando passava, ouviu a voz do abade. Aproximou-se de mansinho, movido pelo desejo de entender as lágrimas da sua adorada salvadora, e ouviu o seguinte:

- Estás enganada, Clementina. Eu não obrigo a filha a casar contra sua vontade; e também não consinto que ela case contra a minha. Estes extremos têm o termo média, que é não casar com o teu sobrinho nem com Bernardo Moniz. Não há pai mais indulgente. Outro qualquer dizia-lhe: “É para diante.” Eu não. Fique embora solteira; mas case-se com o divino esposo.

- Freira! - atalhou a senhora.

- Porque não? Freira, e o mais tardar um mês. Mas não freira à moda - freira delambida e derrancada de chichisbéus em grade.





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