E, circunvagando os olhos às portas por onde podia ser escutada, continuou abaixando a voz, quase ao ouvido de Ricardina:
- Eu fugi, filha; fugi, cega de luz infernal; e quando abri os olhos, e conheci o que era, e sem remédio havia de ser sempre, tornei-me a desgraçada mais sem consolação que o mundo tem. Olha que eu sou nova. Tenho trinta e sete anos. Vês os meus cabelos quase brancos? Olha tuas tias e as minhas irmãs mais velhas como estão novas! Não as viste já passar aí a cavalo com tanta gente ilustre a acompanhá-las? Vinham mostrar-se, para que eu as invejasse e tivesse pena e vergonha de mim... Tive, filha, tive pena e vergonha. Vi-me num espelho depois de as ver a elas, e fui com os olhos queimados, de lágrimas procurar-te, minha filha, a ti e a tua irmã, para me abraçar convosco, e lembrar-me de que as minhas irmãs não tinham duas filhas, dois anjos como eu...
Ricardina abraçou-se palpitante de ternura contra o seio da mãe, beijou-lhe as faces coradas de choro, e murmurou:
- Não se lembre que eu fuja, não? Se fugir da minha mãe, há de ser para Deus.
- Mas, Ricardina - disse a mãe acariciando-a e em tom suplicante - , porque não casas com o teu primo? Não é ele um bonito rapaz? Receias que ele seja mau esposo? Ah! Eu sei que ele há de amar muito a minha Ricardina, que é tão linda no rosto como na alma... Filha, a felicidade alcançam-na os que mais sacrificam as suas inclinações. Verás como tudo esquece, tudo se desfaz, menos o remorso de uma ação condenada primeiro pela sociedade e depois pela consciência... Tu não podes entender-me estas palavras, filha... Deus permita que elas te não lembrem quando as puderes entender, porque serás então desgraçada como tua mãe...
- Não chore, não chore, minha querida mãezinha - obstou a menina, alimpando-lhe o choro com o seu lenço.