O Retrato de Ricardina - Cap. 11: CAPÍTULO XI - MEMÓRIAS DOLOROSAS Pág. 67 / 178

Abraçaram-se taciturnos, desluzidos do menor lume de entusiasmo, pedindo tacitamente coragem uns aos outros. Neste lance; sobreveio outro sorteado, Bento Adjuto Soares coiceiro, de 24 anos possante, destemeroso, sedento de perigos, e bom para zombar deles na aresta da voragem. Entrou representando a passagem de Orestes, famoso baile trágico, que ele tinha visto representar no Teatro de S. João em Agosto do ano anterior. Figurou-se ele de Pílades apresentando a urna com as cinzas de Orestes. A urna era o gorro; e as cinzas eram castanhas piladas que ele depunha aos pés de Egisto que vinha a ser Bernardo. Depois, voltando-se para o filho do capitão-mor de Sintra, exclamou:

- Faze tu de Clitemnestra, ó Reis, que és bonito!

O jovem olhava triste para as truanices de coiceiro. Os outros pareciam invejar-lhe o grande ânimo ou a carnívora crueldade.

Quase agastado da indiferença do auditório, Bento Adjuto compôs sisudamente o aspeto e disse:

- Temos homens ou meninas? Podemos contar com treze irmãos juramentados, ou faz-se votação nova?

- Quem te disse que a nossa seriedade é medo? - respondeu com hombridade Bernardo Moniz. - Se não rimos das tuas pilhérias, a culpa é tua, coiceiro. Dá-nos cenas mais salgadas, se podes.

- Folgo de altivez! Sim, senhor! - volveu coiceiro. - Parecias-me agora grego ou romano pelo tom e pela postura!

- Português, somente - replicou o médico, satisfeito do aprumo do irmão.

Seguiu-se uma prática ordenada a discutir a matéria que na reunião noturna havia de votar-se. Era simplesmente o local da emboscada; que o restante fora decidido na véspera. À proporção que se afogueava o assunto, ardentemente debatido por coiceiro, os três consortes ganharam o entusiasmo próprio dos anos, e saíram do quebranto em que os atonizara menos o medo das leis que a repugnância de matar sem o incentivo do extremo ódio.





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