A conversa não teve interesse, pois a Sr." Bovary abandonava-a constantemente, enquanto ele próprio se sentia bastante embaraçado. Sentado numa cadeira baixa, perto do fogão, fazia girar entre os dedos o estojo de marfim; ela ia dando os pontos, ou, de vez em quando, com a unha, vincava a bainha do pano. Não dizia nada; e ele calava-se, cativo do seu silêncio, como o teria igualmente ficado das suas palavras.
«Pobre rapaz!», pensava ela.
«Em que será que lhe desagrado?», perguntava ele a si mesmo.
Léon, entretanto, acabou por dizer que teria de ir a Ruão num daqueles
t dias por causa de um assunto relacionado com os seus estudos.
- A sua assinatura de música já terminou; quer que lha renove?
- Não - respondeu ela.
- Porquê?
- Porque...
E, apertando os lábios, puxou lentamente uma longa linha cinzenta que enfiara na agulha.
Aquele trabalho irritava Léon. Parecia-lhe que os dedos de Emma iriam ficar todos esfolados nas pontas; veio-lhe à mente uma frase galante, mas não se arriscou a dizê-la.
- Então, abandona-a? - insistiu ele.
- O quê - disse ela com vivacidade. - A música? Oh, meu Deus, claro que sim! É que tenho a casa para cuidar, o marido para tratar, imensas coisas a fazer, enfim, uma quantidade de deveres que estão em primeiro lugar!
Ela olhou para o relógio. Charles estava atrasado. Então fingiu que se preocupava muito com o marido. Repetiu mesmo duas ou três vezes: - Ele é tão bom!
O escriturário era amigo de Bovary. Mas aquela ternura surpreendeu se duma maneira desagradável; apesar disso, continuou a elogiá-lo, como dava dever fazer a toda a gente, dizia ele, e sobretudo ao farmacêutico. - Ah, sim! É uma excelente pessoa.
- Sem dúvida -, retorquiu o escriturário.