Madame Bovary - Cap. 20: XII Pág. 221 / 382

- Estás triste - disse Emma.

- Não, porquê?

Apesar disso, ele olhava-a com meiguice, de um modo singular.

- É por te ires embora? - continuou ela -, por deixares os teus amigos, a tua vida? Ah!, compreendo... Mas eu não tenho nada neste mundo! Tu és tudo para mim. Serei também tudo para ti, serei a tua família, a tua pátria; tratarei de ti, amar-te-ei.

- És encantadora! - disse ele, tomando-a nos braços.

- Verdade? - perguntou ela, com um risinho de volúpia. - Amas-me? Então jura!

- Se te amo! Se te amo! Mas adoro-te, meu amor!

A Lua, bem redonda e cor de púrpura, erguia-se a rasar o horizonte, ao fundo da pradaria. Subia rápida entre os ramos dos ulmeiros, que de vez em quando a escondiam, como uma cortina preta com buracos. Depois ela apareceu, resplandecente de brancura, no céu limpo que iluminava; e então, afrouxando a sua marcha, deixou cair sobre o rio uma grande mancha, que produzia uma infinidade de estrelas; aquele clarão de prata parecia retorcer-se ali até ao fundo, à maneira duma serpente sem cabeça, coberta de escamas luminosas. Assemelhava-se também a um monstruoso candelabro, ao longo do qual corriam gotas de diamante em fusão. A noite meiga estendia-se em redor deles; toalhas de sombra cobriam a folhagem. Emma, de olhos semicerrados, aspirava com grandes suspiros o vento fresco que soprava. Não falavam um ao outro, perdidos como estavam na invasão dos seus devaneios. A ternura dos dias passados voltava a inundar-lhes o coração, abundante e silenciosa como o rio que corria, com tanta indolência quanta se exalava do perfume das silindras, projectando-lhes na memória sombras mais vastas e mais melancólicas do que aquelas que os salgueiros imóveis estendiam no chão. De vez em quando, um animal nocturno, ouriço ou doninha, saindo à caça, fazia deslocar as folhas, ou então ouvia-se por instantes um pêssego maduro cair sozinho da latada.





Os capítulos deste livro