Madame Bovary - Cap. 31: VIII Pág. 355 / 382

Quando terminou as suas exortações, tentou meter-lhe na mão um círio benzido, símbolo das glórias celestes de que em breve estaria rodeada. Emma, demasiado enfraqueci da, não pôde fechar os dedos e o círio, sem o Padre Bournisien a segurá-lo, teria caído no chão.

Entretanto ela fIcou menos pálida e o seu rosto tinha uma expressão de serenidade, como se o sacramento a tivesse curado.

O padre não deixou de fazer referência ao facto; explicou até ao Bovary que o Senhor, algumas vezes, prolongava a vida das pessoas quando julgava conveniente para a sua salvação; e Charles lembrou-se do dia em que, assim quase a morrer, ela recebera a comunhão.

«Talvez não valha a pena desesperar», pensou ele.

Com efeito, ela olhou à sua volta, lentamente, como alguém que despertasse dum sonho; depois, falando distintamente, pediu o seu espelho, e ficou algum tempo a olhar-se, até ao momento em que grandes lágrimas se lhe desprenderam dos olhos. Então atirou a cabeça para trás e, soltando um suspiro, deixou-se cair na almofada.

O peito pôs-se-lhe a arquejar aceleradamente. A língua saiu-lhe toda da boca; os olhos, revirando-se, desmaiaram como dois globos de lâmpadas que se extinguissem, fazendo crer que já estivesse morta, se não fosse o pavoroso ritmo das costelas, sacudidas por uma respiração furiosa, como se a alma estivesse dando pulos para se libertar. Félicité ajoelhou-se diante do crucifixo e até o próprio farmacêutico flectiu um pouco os joelhos, enquanto o Dr. Canivet olhava vagamente na direcção da praça. Bournisien estava novamente entregue à oração, com o rosto inclinado para a beira da alcova, a sua longa sotaina negra arrastando atrás pelo chão. Charles ajoelhara do outro lado, com os braços estendidos para Emma.





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