Quando recuperou a consciência, caiu a chorar nos braços de Bovary: - A minha filha! Emma! Minha filha! Explique-me...!
E o outro respondia entre soluços:
- Não sei, não sei! Foi uma maldição! O boticário separou-os.
- Esses horríveis pormenores são inúteis. Depois informarei o amigo.
Está a chegar gente. Dignidade, senhores! Filosofia!
O pobre Bovary queria mostrar-se forte e repetia várias vezes:
- Sim... coragem!
- Pois bem - exclamou o velhote -, por mim hei-de tê-la! Coragem dum raio! Vou acompanhá-la até ao fim.
O sino dobrava. Tudo estava pronto. Tiveram de se pôr a caminho. E, sentados num banco do coro, um ao lado do outro, viram passar e repassar continuamente por diante deles os três chantres que salmodiavamo O serpentão soprava a plenos pulmões. O P.e Bournisien, em grande cerimonial, cantava com voz aguda; fazia vénias diante do sacrário, levantava as mãos, estendia os braços. Lestiboudois circulava pela igreja com a sua régua de barba de baleia; próximo da estante do coro, o caixão repousava entre quatro fileiras de círios. Charles sentia-se tentado a levantar-se para os ir apagar.
Procurava, no entanto, exercitar-se na devoção, entregar-se à esperança de uma vida futura em que a tornaria a encontrar. Imaginava que ela partira para uma viagem, para muito longe, desde há muito tempo. Mas, quando pensava que ela se encontrava ali debaixo e que tudo acabara, que a levariam a enterrar, sentia uma raiva feroz, negra, desesperada. Às vezes julgava já nada sentir e saboreava essa suavização da sua dor, enquanto estava ainda mais próximo de ser um miserável.