- Tem razão, Sr. Reitor. Eu não me quero apresentar como inocente.
Digo humildemente: peccavi. Mas que quer? Onde se encontram facilidades... nem todos têm força para se vencer. E depois olhe que nos falta deveras a capa egípcia de José, para a sacudir dos ombros em ocasiões de aperto.
- Adeus! Aí torna com as suas! - disse o reitor, custando-lhe a disfarçar um sorriso.
O certo é, porém, que o padre estava aplacado. Tranquilizou Daniel, contando-lhe tudo o que tinha sucedido. Fez-lhe um longo sermão de moral, afirmando-lhe no fim que, se não fosse por saber a família Esquina «useira e vezeira» nestas tentativas de especular casamentos de vantagem, e nem sempre por meios justificáveis, seria menos indulgente.
Daniel fez voto de emenda e protestou ser aquela a sua última rapaziada.
Graças, porém, à loquacidade da Sr.ª Teresa a história dos versos transpirou e causou escândalo na aldeia. Não se falou em outra coisa, durante algumas semanas. Os pais olharam Daniel com desconfiança; os rapazes, com ciúme; as raparigas, com curiosidade. O trio de línguas da casa dos Esquinas cantou a palinódia a respeito de Daniel e com não menor valentia do que a empregada nas loas com que primeiro o tinham celebrado.
Por todos os lados da aldeia ressoaram os coros. O nível da reputação de João Semana subiu no conceito público. Daniel confirmou a sua reputação de libertino e de homem perigoso. Ele é que era indiferente a isso tudo. Dava-lhe poucos cuidados o futuro da sua vida clínica, assim tão ameaçado. Continuava gozando, com resignação, se não com prazer, os ócios daquele viver de morgado.