Alguma coisa semelhante perturbava também naquele momento o espírito de Clara. A cada passo se esquecia a pensar nos diversos episódios do serão e em tudo quanto Daniel lhe dissera; e logo se arrependia e acusava, como de uma traição feita a Pedro, de ter assim escutado e recordar agora as falas apaixonadas daquele louco imprudente.
Margarida, antes de deitar-se, veio ter com ela.
- Então divertiste-te? - perguntou-lhe.
- Não.
- E porquê?
- Por quem és, Guida, não me perguntes hoje nada, se és minha amiga. Estou doente.
Margarida assustou-se pela maneira, por que foram ditas estas palavras.
- Doente! - exclamou ela com verdadeira inquietação; e palpando- lhe a fronte que escaldava: - E tens febre, Clarinha! Bem me dizia o coração; antes não fosses!
- E antes! - disse Clara, suspirando. E calou-se, fingindo que adormecia.
Margarida não conseguiu mais serenar a turbação que lhe produzia o estado da irmã.
- Que sucederia lá? - perguntava ela a si mesma.
Foi mais uma que não dormiu aquela noite. Levou-a toda a cismar e a escutar se algum rumor chegava do quarto de Clara.
A madrugada, porém, opera milagres. Não há luz como a da manhã para dissipar as visões de uma imaginação preocupada.
Como esses vultos sinistros, que os sentidos alucinados das crianças medrosas descobrem em cada canto escuro de um quarto de dormir, as criações do espírito aflito desvanecem-se aos primeiros raios da aurora.
Rimo-nos então das nossas apreensões da véspera, nem compreendemos os nossos terrores. As sombras