Era a voz de Daniel.
- Santo nome de Jesus! - exclamou Clara ao reconhecê-lo e ainda tomada de susto. - O que faz por aqui?
- Vim vê-la - respondeu Daniel, com a maior naturalidade.
- Então é assim que cumpre o que ontem me prometeu?
- Pois que prometi eu, senão fazer com que me não vissem? É o que faço vindo agora só e aqui.
- É pior, muito pior isto - disse Clara, lançando em volta de si olhares de inquietação.
- Não é - continuou Daniel. - Pois não me disse que não desconfiava de mim? Não foi só por condescender com os reparos tolos de meia dúzia de curiosos e de velhacos que me pediu... que exigiu de mim que não viesse? Falando-me assim, neste sítio e a esta hora, não pode recear de ninguém. Lembra-se de me haver dito que o povo tinha medo de passar de noite por aqui?
- Mas... apesar disso... Jesus, meu Deus! - continuava Clara, sobressaltada. - E para que havia de procurar falar-me? que tem que me dizer?
Daniel sorriu.
- Que pergunta a sua, Clara! Imagina lá a minha vida na aldeia? Devoram-me desejos de conversar. Mas não tenho com quem. Privando-me de a ver, Clarinha, afastava-me da única pessoa, das que até agora tenho encontrado, com quem se pode sustentar uma conversa seguida e agradável. Veja se não seria crueldade proibir-me...
- Não diga isso - respondeu Clara. - Eu entendo-o às vezes, sim; mas é quando todos o entendem também; quando a sua conversação mais me entretém, tenho notado que muitos o escutam como eu, com atenção. Mas de outras vezes...
Neste ponto Clara reteve-se, como se receasse terminar.
- De outras vezes?... - repetiu Daniel, sorrindo.
- De outras vezes não o entendo, e é sobretudo quando fala só para mim.
- Não me entende? - perguntou Daniel, com uma inflexão de voz, que fez estremecer Clara.