As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 33: XXXIII Pág. 237 / 332

Aos pés duma imagem da Virgem, pedia então misericórdia e prometia evitar, dali em diante, todas as ocasiões de novos perigos.

Daquela condenação, cuja lembrança bastava só para a assustar assim, a salvara um acaso... ou antes a Providência.

O reitor, a cujos ouvidos continuavam a chegar todos os dias vozes desfavoráveis a respeito de Daniel, andava inquieto por causa da assiduidade com que o vira frequentar as proximidades da casa das suas pupilas.

Aquelas prolongadas palestras, da rua para a janela, podiam dar que falar, receava ele; e cedo viu que efectivamente iam já dando.

Qual não foi, pois, o seu desassossego, quando de casa dum pobre enfermo que fora confessar, viu, às Trindades daquele dia, passar furtivamente, e meio disfarçado, um homem, que, apesar de todo o disfarce, o reitor logo conheceu ser Daniel!

Deu-lhe uma pancada o coração e, mal que pôde desobrigar-se da sua santa tarefa, saiu apressado, e correu a casa de Margarida, a quem perguntou pela irmã.

Sabendo que naquele momento tinha ela saído para a fonte, para lá se dirigiu também o velho, mas por outro caminho, que levou ao próximo pinheiral.

Chegou ali justamente quando Daniel aparecia a Clara; e pôde, sem ser visto, assistir a todo o diálogo entre os dois.

Foi por esta forma que o reitor, a quem muitas vezes estava confiado o papel de Providência na sua paróquia, conseguiu salvar oportunamente a boa fama de Clara, no conceito de João Semana e, provavelmente, na opinião geral da terra.

Se as recordações desta noite agitavam o espírito de Clara, não deixaram mais indiferente e tranquilo o de Daniel.

Cruzando a passos largos o pavimento do quarto, velou grande parte da noite.

Poucas provações mais amargas há para os caracteres humanos do que a de se sentirem desprezados pela própria consciência.





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