As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 35: XXXV Pág. 254 / 332

E olha - continuou sorrindo - que dentro em pouco, chego a não diferençar o que é bem do que é mal. Tenho-me feito assim. Que lhe hei-de eu fazer? Mas tu, minha pobre irmã, que ainda fazes tantos projectos, não te custaria a perder o mais risonho de todos? De mais a mais, eu tenho uma dívida antiga a pagar-te, e não sossego enquanto a não pago. Lembras-te quando me vinhas ajudar nas tarefas, e repartias comigo a tua ração de merenda? São serviços que nunca mais esquecem. Deixa- -me pagar-tos da maneira que posso. Se soubesses como é uma consolação para os pobres achar um meio de saldar as suas dívidas!

Então, vamos, prometes não dizer nada?

- Guida, Guida! O que me pedes é impossível. Seria um grande pecado, se eu deixasse assim a outra expiar a falta que é toda minha.

- Clarinha não vês que, doutra sorte, causas a desgraça de tantos?

Clara levou as mãos às faces e calou-se.

Neste tempo o reitor entrara de mansinho na sala. Pousara o chapéu e a bengala e pusera-se a contemplar as duas irmãs, que lhe não sentiram a entrada.

Passado algum tempo de silêncio, Clara levantou de novo a cabeça e, com voz lacrimosa, exclamou:

- Pois deverei aceitar este sacrifício, meu Deus?

- Deves - respondeu o reitor, adiantando-se. - É necessário respeitar as inspirações dos anjos como este! - e apontava para Margarida. - Eu também hesitei, ao princípio, mas, depois que julguei melhor, resolvi obedecer-lhe. Minha filha, o que se passou na noite de ontem, tem-no por um aviso do céu. Dá graças a Deus, por te não haver abandonado a tua boa estrela e faze por nunca mais incorrer em um perigo daqueles. Mas aceita; não é só a tua felicidade que recebes do sacrifício de tua irmã, é a de Pedro e a de uma família inteira, é a da própria sacrificada; pois não é assim, Margarida?

- Se for preciso que lho peça de joelhos… - respondeu a bondosa rapariga.





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