As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 36: XXXVI Pág. 259 / 332

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- Bem sei. Mas não a viu.

- Não se precipitou ele contra mim com a raiva do ciúme?

- A estas horas, está arrependido.

- Arrependido! Não o vi eu ainda correr, cego de paixão, para o quintal? Diga-me o que sucedeu depois; Clara...

- Já não estava lá, quando ele entrou.

- Pedro?...

- Retirou-se passado tempo, manso e pesaroso.

- Mas...

- Numa palavra, Pedro julga haver-se enganado.

- Enganado? E como podia enganar-se?

- Sendo outra a mulher da entrevista.

- E quem mais podia ser?

- Margarida, a irmã mais velha de Clara.

- Mas ela pugnará pela sua inocência.

- Pelo contrário. Foi ela quem se acusou.

- Ela?! E levou-a a isso?...

- A felicidade da irmã leviana, mas não criminosa, cujo futuro viu ameaçado.

- E existem ainda anjos assim neste mundo, Sr. Reitor?

- Existem, existem, homem descrente e desalentado, existem - respondeu o padre com gesto severo - e sirva-lhe esse exemplo heróico, para lhe dar crença e fortaleza.

- E há quem lhe aceite a abnegação?!

- Assim é preciso. Ninguém a pode recusar, sem sacrificar alguma coisa, além da própria felicidade.

Daniel calou-se. Olhou mais uma vez para a espuma da torrente; mas eram já menos poderosas as seduções do abismo. Levantou depois os olhos ao céu e, a meia voz, disse, quase só para si:

- Como me sinto pequeno e miserável, diante daquele exemplo!

E há quem julgue em decadência moral o mundo, ao qual descem ainda almas assim!

E calou-se outra vez.

O reitor observava-o.

Depois de algum tempo de silêncio, o padre, pousando a mão no ombro de Daniel, disse-lhe afavelmente:

- E porque não pede a essa alma, que admira tanto, um pouco da sua angélica fortaleza? porque não procura purificar a natureza, demasiado terrena, do seu malfadado coração, na abençoada influência dela?

- E ser-me-á concedido?

- É; siga-me - respondeu o reitor, não disfarçando o seu contentamento.





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