- Bem sei. Mas não a viu.
- Não se precipitou ele contra mim com a raiva do ciúme?
- A estas horas, está arrependido.
- Arrependido! Não o vi eu ainda correr, cego de paixão, para o quintal? Diga-me o que sucedeu depois; Clara...
- Já não estava lá, quando ele entrou.
- Pedro?...
- Retirou-se passado tempo, manso e pesaroso.
- Mas...
- Numa palavra, Pedro julga haver-se enganado.
- Enganado? E como podia enganar-se?
- Sendo outra a mulher da entrevista.
- E quem mais podia ser?
- Margarida, a irmã mais velha de Clara.
- Mas ela pugnará pela sua inocência.
- Pelo contrário. Foi ela quem se acusou.
- Ela?! E levou-a a isso?...
- A felicidade da irmã leviana, mas não criminosa, cujo futuro viu ameaçado.
- E existem ainda anjos assim neste mundo, Sr. Reitor?
- Existem, existem, homem descrente e desalentado, existem - respondeu o padre com gesto severo - e sirva-lhe esse exemplo heróico, para lhe dar crença e fortaleza.
- E há quem lhe aceite a abnegação?!
- Assim é preciso. Ninguém a pode recusar, sem sacrificar alguma coisa, além da própria felicidade.
Daniel calou-se. Olhou mais uma vez para a espuma da torrente; mas eram já menos poderosas as seduções do abismo. Levantou depois os olhos ao céu e, a meia voz, disse, quase só para si:
- Como me sinto pequeno e miserável, diante daquele exemplo!
E há quem julgue em decadência moral o mundo, ao qual descem ainda almas assim!
E calou-se outra vez.
O reitor observava-o.
Depois de algum tempo de silêncio, o padre, pousando a mão no ombro de Daniel, disse-lhe afavelmente:
- E porque não pede a essa alma, que admira tanto, um pouco da sua angélica fortaleza? porque não procura purificar a natureza, demasiado terrena, do seu malfadado coração, na abençoada influência dela?
- E ser-me-á concedido?
- É; siga-me - respondeu o reitor, não disfarçando o seu contentamento.