- Pois sim; mas, quando se faz muito barulho na rua, sempre se abre um cantinho da janela - disse João da Esquina, piscando o olho para o sacristão, que lhe sorriu em resposta.
- Abrir a janela? Para que há-de uma pessoa abrir a janela?
Para se meter em trabalhos? Não que eu, filho, todas as noites rezo ao meu devoto padre Santo António, para que me livre de perigos e de trabalhos, de maus vizinhos de ao pé da porta e de ferros de el- -rei.
- Mas pelos modos o santo não a tem ouvido, porque enquanto a maus vizinhos...
- Nem por isso a deixam dormir, não é assim, ti’Zefa? - perguntou a Sr.ª Teresa, entrando na conversa.
- Vizinhos... o que se diz vizinhos, não tenho eu; a casa mais perto é a das pequenas do Meadas e dessa à minha ainda é um bocadinho.
- Mas ouvia-se de lá o barulho? - perguntou o sacristão.
A beata fez um gesto afirmativo e acrescentou:
- Olhe, Sr. Joaquim, pecados deste mundo, sabe?
- Vamos lá. A ti’Zefa sempre tem inclinação pelas raparigas. São suas conhecidas há muito tempo, e por isso...
- Eu?! Olhe, ainda esta manhã disse ao padre José, aquilo são tentações do demónio; sabe o Sr. João da Esquina o que são tentações do demónio? pois é aquilo. Não que dizem que não vale nada ser escrava de Nossa Senhora. Não, não vale. Lá se está a ver. As coisas estão a saltar aos olhos.
- Mas, afinal que houve? O caso foi com a Clara ou com a irmã?
A pergunta era feita pelo sacristão, por quem a beata tinha suas contemplações, e por isso respondeu:
- Foi com a Margarida, Sr. Joaquim. Aquilo estava de ver! Então admirou-se? Pois olhe, eu... A gente não deve murmurar do seu próximo, mas enfim.