As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 41: XLI Pág. 309 / 332

Dissera-se, ao vê-lo agora desfalecer gradualmente, que a morte se aproximaria lenta, suave, sem paroxismos; como o adormecer, que se não pressente.

De súbito porém alterou-se esta placidez enganosa.

Animado duma energia, que contrastava com a depressão que, momentos antes, lhe paralisava os membros, tocados pelo dedo da morte, afastou impaciente a roupa e, elevando as mãos, cruzou-as sobre o peito, ao mesmo tempo que inclinava para trás a cabeça, como em espasmo violento.

Margarida julgou-o morto.

Apoderou-se então dela um terror súbito e profundo. Assustou- -a aquela escuridade, aquele silêncio, aquela agonia, e, soltando um grito, correu à porta para pedir socorro.

Ao abri-la, achou-se inesperadamente em face de Daniel, que, por acaso, passava ali também naquele momento.

Estava muito agitado o espírito de Margarida, para que a presença de Daniel produzisse nela a impressão, que, em outras quaisquer circunstâncias, produziria.

No homem, que mais pudera influir-lhe no coração, ela só viu, naquele momento, o médico, o socorro que lhe enviava talvez a Providência; e, com as lágrimas nos olhos e as mãos juntas, caminhou para ele, sem hesitação, sem timidez, cheia de confiança.

- Por amor de Deus, Sr. Daniel, acuda a este infeliz, que morre! - dizia ela comovida.

Daniel, surpreendido ao princípio pelo inesperado aparecimento de Margarida, num instante recebeu o contágio abençoado da generosidade daquela alma.

A mais leviana cabeça curva-se diante da manifestação sincera de uma dor assim; o coração mais volúvel deixa-se penetrar do influxo misterioso da simpatia e cerra-se a outros motores menos desinteressados.

Daniel compreendeu toda a nobreza daquele sentimento e sentiu- se arrastado por ela.





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