As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 7: VII Pág. 35 / 332

VII

Mas deixemos as lágrimas, e as íntimas e não ostentosas tristezas de Margarida, e vamos chamar ao primeiro plano da cena uma personagem que, contra os seus direitos de primogenitura, temos até agora deixado oculta na penumbra dos bastidores.

Falemos de Pedro, o filho mais velho de José das Dornas.

Pedro, mais idoso do que seu irmão cinco anos, teve uma infância mais trabalhosa que a dele, mas bem menos digna de menção no romance. Votado, como já disse, aos trabalhos da lavoura, as horas que tinha de ociosidade empregava-as a dormir, sono que as fadigas do dia faziam digno de inveja.

Por certo que os leitores não quereriam que eu lhes referisse aqui as pequenas diversões daquela vida de rapaz de aldeia. Seria uma fastidiosa enumeração de jogos e de frequentes lutas com os companheiros, por vários motivos pueris. Isto até quase aos dezassete anos. Enquanto que Daniel estudava o latim e se distraía já da aridez das regras da sintaxe, conversando a sós no monte com Margarida, Pedro trabalhava, dormia ou brincava no terreiro com os rapazes da sua idade, sem sentir outras aspirações, e achando-se até pouco à vontade junto das mulheres, com quem nem sabia conversar.

Não eram porém definitivas estas disposições de espírito em Pedro, como se vai já mostrar. Aos dezoito anos operou-se a revolução.

Isto não quer dizer que a febre da adolescência principiasse a fazer circular nas veias do moço lavrador esse sangue inflamado, que devora como uma labareda; que ele tivesse dessas tristezas súbitas, desses devaneios e não sei que fantasiar mal distintas felicidades, desses arroubamentos, desse amor ideal, sem objecto, que é o mais puro e espontâneo culto do coração humano. Nada disso. A natureza não afinara a alma de Pedro para as subtilíssimas vibrações desta ordem.





Os capítulos deste livro