As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 8: VIII Pág. 44 / 332

Livre da única repressão que podia coagir a completa má vontade que tinha à enteada, aquela mulher, de génio violento, acabou por desprezá-la de todo. A cada passo lhe lançava em rosto a pobreza de condição em que nascera, clamando que o pão que lhe dava a comer era um roubo que fazia a sua própria filha.

Margarida ouvia-a; humilhavam-na estas contínuas e injustas recriminações, mas até as lágrimas procurava ocultar, com medo que dessem causa a novas iras. Limitava-se a rezar muito a Nossa Senhora para que a levasse para si.

A pobrezinha olhava para o futuro e via-o cerrado, sem um único raio de luz em que fitasse os olhos, para atravessar com mais ânimo as trevas completas do presente.

Uma só compensação experimentava a triste e desarrimada criança, em troca de tanta dores e constante suplício: - era a amizade de sua irmã.

Clara não herdara da mãe durezas de coração nem violências de génio. Afável no meio das suas alegrias de infância, compadecia- -se já pelo que via sofrer à irmã, e, admirando aquela resignação de mártir, que ela bem se conhecia incapaz de mostrar em ocasião alguma da vida, principiou a olhar para Margarida com certo respeito, que, pouco a pouco, degenerou em prestígio e lhe cultivou no coração uma veneração sem limites.

Muitas vezes as rudezas da mãe para com Margarida faziam- -na chorar também, e, a ocultas, vinha pedir perdão a esta, de um tratamento, de que ela bem percebia ser a causa involuntária.

Margarida, da sua parte, sentia-se grata ao generoso afecto de Clara, e em pouco tempo ficou sendo esse laço o único, pelo qual ela parecia prender-se ainda ao mundo, que tão despovoado destas seduções lhe andara sempre.

Pequenos episódios, na aparência insignificantes, corroboraram, em uma e outra, estes sentimentos e influíram na sorte futura das duas irmãs, que, ainda crianças, se diziam já amigas inseparáveis.





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