As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 12: XII Pág. 77 / 332

pão negro aos vossos filhos e a vós esta vida regalada, não é assim? Ainda agora encontrei o teu pequeno, Manuel, que pedia esmola pela porta dos vizinhos; não tens vergonha? - A tua mulher, Francisco, estava há pouco de cama e teve de mandar à cidade a filha mais nova com uma canastra de hortaliça, com que ela mal podia; ia a vergar, a pobre pequena! - Achas isto bonito? - O teu irmão, João, ainda não há três dias, que foi pedir emprestado, chorando, ao José das Dornas, dinheiro para pagar ao mestre da fábrica, em que traz o filho na cidade; talvez tu não tivesses para lho emprestares? - Não há muito que o pobre José da Maia se me queixou a mim, de que tu, Damião, ainda lhe não tinhas pago por inteiro o preço daqueles bois que lhe compraste. Mas que importam estas pequenas coisas?

Que importa lá a miséria que vai por casa, se não falta dinheiro para o vinho e para o jogo. Isso é o que se quer! E tu - acrescentou voltando-se para o taberneiro que, detrás do mostrador, assistia calado a toda esta cena: - tu vais engordando à custa destas misérias todas. Passam fome as mulheres e as crianças, para te encher as gavetas e a barriga! Ó santo Deus! - e tanta desgraça, que por aí vai, e tanta gente sem pão para comer!

- Essa é boa! O meu ofício é vender vinho, vendo-o; faço o meu dever - resmungou o taberneiro despeitado.

- Fazes o teu dever, enchendo com outro tanto de água as pipas do vinho que vendes? e permitindo em tua casa estes costumes proibidos pelos homens e amaldiçoados de Deus? - estes jogos infernais, que têm levado tantas cabeças à forca, e tantas almas ao inferno? É esse também o teu ofício? Pois deixa estar que eu avisarei o regedor, para que te dê a recompensa, por o bem que o cumpres.

O taberneiro não redarguiu.





Os capítulos deste livro