O Ingénuo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 4 / 91

Todos o olhavam com admiração, todos lhe falavam e interrogavam ao mesmo tempo; o hurão não perdia a compostura. Parecia haver tomado por divisa a de milorde Bolingbroke: nihil admirari. Afinal, cansado de tanto barulho, disse-lhes suavemente, mas com firmeza:

- Senhores, na minha terra fala um depois do outro; como querem que lhes responda, se me impedem de ouvi-los?

A razão sempre faz com que os homens se compenetrem por alguns momentos. Estabeleceu-se um grande silêncio. O senhor bailio, que sempre se apoderava dos estranhos em qualquer parte onde se achasse, e que era o maior perguntador da província, indagou, abrindo uma boca de palmo e meio:

- Como se chama o senhor?

- Sempre me chamaram o Ingénuo, nome este que me foi confirmado na Inglaterra, porque eu sempre digo singelamente o que penso e faço tudo o que quero.

- Mas como, tendo nascido hurão, foi o senhor parar na Inglaterra?

- É que me levaram para lá. Em combate, fui feito prisioneiro pelos ingleses, depois de me haver defendido o mais que pude. E os ingleses, que apreciam a bravura, porque são bravos e tão direitos como os hurões, propuseram-me devolver-me a meus país ou levar-me para a Inglaterra. Aceitei a última oferta, pois gosto imenso de ver terras novas.

- Mas - disse o bailio com o seu tom imponente - como pôde o senhor abandonar assim o seu pai e a sua mãe?

- É que nunca conheci nem pai nem mãe - respondeu o estrangeiro.





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