- Uma libra! - disse o espantado guarda-portão.
- Espere você, que eu vou perguntar à Sr.ª Viscondessa.
- Um senhor que ia passando - explicou a mulher - foi que levantou a libra e ma veio dar, dizendo que era a esmola que a Sr.ª Viscondessa me atirara da janela.
A fidalga mandou dizer ao criado que não dera a libra, e que soubesse que história de libra era essa. Insistiu a mendiga nas explicações dadas, e retirou-se bem convencida da legítima posse da sua fortuna, deixando o deslindar do enredo a quem melhor competisse.
Era natural estimular-se a curiosidade da fidalga mal o porteiro lhe disse que um sujeito guardara os dez-réis e dera o soberano. Tinha sabor de romance uma coisa assim desusada e original nos fastos da caridade!
- Conheces o homem que apanhou os dez-réis? - perguntou a viscondessa da Gandarela ao criado.
- Conheço de vista, minha senhora. Eu ainda o vi levantar o dinheiro; mas quanto era não enxerguei.
- Seria pessoa das minhas relações?
- Nada, não, Sr.ª Viscondessa. É sujeito que eu nunca vi nesta casa, nem no tempo do Sr. Visconde que Deus haja. Ele anda mal arranjado de fato, e não me cheira a grande pessoa... Há mais de dois meses que ele passa por esta rua, duas vezes pelo menos.
- A que horas?
- Para o lado do convento passa todos os dias às onze, e para o Chiado aí pelas três, se vossa Excelência quiser, eu, assim que o lobrigar, mando recado à Sr.ª Viscondessa.
- Quero - terminou a viúva.
Ao mesmo tempo, Alexandre Pimentel dizia a D. Ricardina:
- Minha mãe, recebi esta manhã os trinta e seis mil réis de ordenado. Tenho aqui trinta e um mil e quinhentos, porque dei a cinco pobres uma libra. Era uma mulher com quatro filhos, a quem uma grande e rica fidalga deu dez-réis.