Quis que vendessem o cavalo; aquilo de que antes gostava era-lhe agora desagradável. Todas as suas ideias pareciam limitar-se ao cuidado consigo mesma. Ficava na cama a comer pequenas refeições, tocava para chamar a criada, a fim de se informar sobre as suas tisanas ou para conversar com ela. Entretanto, a neve acumulada sobre a cobertura do mercado lançava para dentro do quarto um reflexo branco, imóvel; depois era a chuva que caía. E Emma esperava todos os dias, com uma espécie de ansiedade, a infalível repetição de mínimos acontecimentos que nada de novo lhe traziam. O mais importante era, à noite; a chegada da Andorinha. Nesse momento, a estalajadeira gritava e outras vozes respondiam, enquanto a lanterna de Hippolyte, que procurava as bagagens debaixo do encerado, se assemelhava a uma estrela na escuridão. Ao meio-dia, Charles vinha a casa; seguidamente voltava a sair; depois ela tomava um caldo e, pelas cinco horas, no fim da tarde, as crianças que regressavam da escola, arrastando os tamancos sobre o ladrilho, batiam todas com as suas réguas no fecho das persianas, umas atrás das outras.
Era a essa hora que o Padre Bournisien vinha vê-lo.
Perguntava-lhe pela saúde, trazia-lhe notícias e exortava-a à religião numa conversa carinhosa que ela não deixava de apreciar. A simples presença da sotaina dava-lhe conforto.
Um dia em que, no período mais grave da doença, ela se julgara agonizante, pedira a comunhão; e, à medida que no quarto se faziam os preparativos para o sacramento, que se armava o altar em cima da cómoda atafulhada de remédios e que Félicité espalhava pelo chão folhas de dálias, Emma começou a sentir-se invadida por uma forte impressão que a libertava de todas as dores, de toda a consciência e de todo o sentimento.