As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 23: XXIII Pág. 159 / 332

João da Esquina sentiu-se derrotado e já procurava uma saída airosa.

- Bem; eu retiro-me, que sou prudente. Levo a consciência de que fiz o meu dever. Mas o mundo saberá...

O resto da oração pronunciou-o fora da porta. Esta circunstância impossibilita-me de informar o leitor sobre o que o mundo tem de vir a saber a respeito do tendeiro.

- Que lhe parece esta, Sr. Reitor? - disse José das Dornas, mal o viu sair. - Havia o meu Daniel de...

- O teu Daniel é um doido; e se isto assim continua há-de vir a fazer a tua desgraça.

- Mas uns versos que mal fazem? e então àquele catavento da Chica do tendeiro, que é mesmo... O Senhor me perdoe.

- Homem; a coisa não está nos versos. O que eu digo é que Daniel tem deveres tão sagrados, entrando no seio das famílias, como nós os párocos. E se as mãos, que devem levar o remédio, espalham a peçonha, a maldição de Deus desce sobre elas. Quem abrirá as portas da alcova onde padeça uma filha, uma esposa ou uma irmã, ao médico, que não tem força para sufocar as paixões más do seu coração? Fá-lo-ias tu? Não, nem eu. Quanto mais santa é uma missão neste mundo, José, mais se rebaixa e avilta quem a aceita sem lhe ter compreendido o alcance. O mau padre é o pior dos homens; e parece-te que será muito melhor o médico imoral?

Pensa nisto e diz-me se Daniel merece grandes desculpas.

As palavras do reitor tinham o poder de calar no ânimo de José das Dornas, como as de ninguém.

O lavrador baixou a cabeça e perguntou humildemente:

- Então acha V. S.ª que Daniel deve casar com a...

- Não digo tanto! - respondeu com vivacidade o reitor. - Ali houve cálculo neles, conheço-os há muito; e espero que da parte de Daniel nada mais se deu além da loucura dos versos, que não vale nada afinal.





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