As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 30: XXX Pág. 214 / 332

duma floresta, que a noite nos representa pavorosas, tomam ao amanhecer um aspecto festivo, e mostram-se-nos recamadas de flores; é também a essa hora que uma transformação análoga parece operar-se nas sombras do nosso futuro; temos mais esperança na vida então; aclara-se-nos a nuvem cerrada, que caminha diante de nós quando ouvimos cantar alvoradas às aves, que o dia desperta.

Este fenómeno íntimo do nosso espírito realiza-se em Daniel e em Clara.

O desgosto de si, os vagos remorsos da véspera, as inquietações mal definidas, dissipou-as o surgir da manhã.

Clara olhou para a irmã, que lhe espiava o despertar, com os lábios expressivos de desassombrada alegria.

Daniel vestiu-se, cantando jovialmente; e, sem vislumbres de pensamentos negros, preparou-se para sair.

Os acontecimentos da noite anterior eram já sem a menor importância aos olhos de ambos. E que importância podia ter uma noite de esfolhada? Quem se lembraria de atribuir valor às liberdades consentidas então?

Clara perguntava a si própria as causas daqueles seus excessivos terrores e não os podia justificar.

Quando Margarida, ainda cheia de cuidados, e olhando-a com solicitude, lhe falou nisso, Clara pôs-se a rir.

- Que queres tu que te diga? Nem eu mesma já sei o que me afligia ontem. Não te sucede às vezes isto?

- Em ti é que me admira. É tão pouco do teu génio! - respondeu Margarida, olhando-a fixamente.

- E também te prometo que nunca mais me tornarás a ver assim.

- Deus o queira.

Margarida disse isto, como quem se não dava por satisfeita com a explicação ou com as palavras evasivas de Clara. Ela suspeitava ainda que alguma coisa se tinha passado durante a esfolhada, que a irmã lhe não queria revelar.

Mas Clara conservou tão bem, em todo o dia, a jovialidade do costume, que as apreensões de Margarida acabaram por dissipar-se de todo.





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