Este fenómeno íntimo do nosso espírito realiza-se em Daniel e em Clara.
O desgosto de si, os vagos remorsos da véspera, as inquietações mal definidas, dissipou-as o surgir da manhã.
Clara olhou para a irmã, que lhe espiava o despertar, com os lábios expressivos de desassombrada alegria.
Daniel vestiu-se, cantando jovialmente; e, sem vislumbres de pensamentos negros, preparou-se para sair.
Os acontecimentos da noite anterior eram já sem a menor importância aos olhos de ambos. E que importância podia ter uma noite de esfolhada? Quem se lembraria de atribuir valor às liberdades consentidas então?
Clara perguntava a si própria as causas daqueles seus excessivos terrores e não os podia justificar.
Quando Margarida, ainda cheia de cuidados, e olhando-a com solicitude, lhe falou nisso, Clara pôs-se a rir.
- Que queres tu que te diga? Nem eu mesma já sei o que me afligia ontem. Não te sucede às vezes isto?
- Em ti é que me admira. É tão pouco do teu génio! - respondeu Margarida, olhando-a fixamente.
- E também te prometo que nunca mais me tornarás a ver assim.
- Deus o queira.
Margarida disse isto, como quem se não dava por satisfeita com a explicação ou com as palavras evasivas de Clara. Ela suspeitava ainda que alguma coisa se tinha passado durante a esfolhada, que a irmã lhe não queria revelar.
Mas Clara conservou tão bem, em todo o dia, a jovialidade do costume, que as apreensões de Margarida acabaram por dissipar-se de todo.