As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 15: XV Pág. 96 / 332

Daniel não deixara mentir o prognóstico que aquelas duas boas velhas, das quais não sei se o leitor ainda se lembrará, tinham feito do jovem estudante de latim, ao verem-no passar, sobraçando os livros, para casa do reitor. Durante os seus anos de estudo fora efectivamente o filho de José das Dornas herói de numerosas aventuras de amor, de mui diverso carácter.

Deixando-se impressionar de circunstâncias insignificantes, que outro espírito, menos exaltado, receberia com indiferença, andava ele quase de contínuo sob o império, fértil em deleitosas sensações, de uma paixão nascente.

Este coração, eminentemente acessível e irritável, não tivera quase, até ali, um instante de sossego.

Eu disse este coração - quase me estou arrependendo de me ter servido da palavra.

Entraria de facto, como elemento destas paixões efémeras, tão instantâneas como a combustão da pólvora, essa víscera simpática, que, a despeito dos médicos e da medicina, eu julgo o sacrário augusto dos sublimes e duradouros sentimentos, que constituem o dote mais valioso do nosso património moral? Não sei; antes me quer parecer que não.

Daniel amava de imaginação; nem eu vejo bem como pudesse amar de outra maneira quem, por vezes, se deixou levar por futilidades quase ridículas.

O coração não é tão sujeito a fraquezas desta ordem; ou eu ando muito enganado.

Houve, por exemplo, uma mulher que, durante alguns meses, conseguiu assenhorear-se dos pensamentos do nosso herói pela maneira individualíssima e inimitável, com que sabia dizer aquele gracioso àgora minhoto, tão levianamente criticado pela gente da capital.

Ora digam-me se é este o fenómeno do coração e não antes um como desvario da cabeça, mais azada a tais singularidades.

Mas o que é certo é que, fosse pela cabeça, fosse pelo coração, Daniel achara-se, em todas as ocasiões, que viera a férias, suficientemente apaixonado para escapar à influência das formosas da sua terra.





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