Por que será que todas as nações se atribuíram origens fabulosas? Os antigos cronistas da história de França, que não são antigos, fazem provir os franceses de um Francus, filho de Heitor. Diziam-se os romanos descendentes de um frígio, embora não houvesse na sua língua uma única palavra que tivesse a mais remota relação com a língua frígia. Os deuses haviam habitado dez mil anos no Egito e os diabos na Cítia, onde haviam engendrado os hurões. Antes de Tucídides, não vejo senão romanos semelhantes aos Amadis, e muito menos divertidos. São, por toda parte, aparições, oráculos, prodígios, sortilégios, metamorfoses, sonhos interpretados, e que ditam o destino dos maiores Impérios e dos menores Estados: aqui animais que falam, ali animais que são adorados, deuses transformados em homens e homens transformados em deuses. Ah! se é necessário que haja fábulas, que estas pelo menos sejam o emblema da verdade Amo as fábulas dos filósofos, rio com as das crianças, odeio a dos impostores".
Veio-lhe um dia às mãos uma história do imperador Justiniano. Lia-se ali que os apedeutas de Constantinopla haviam baixado, em péssimo grego, um édito contra o maior capitão do século, porque este herói pronunciara as seguintes palavras, no calor da discussão: A verdade brilha com a sua própria luz, e não se alumiam os espíritos com as chamas das fogueiras. Asseveraram os apedeutas que tal proposição era herética, ou cheirava a heresia, e que o axioma contrário era católico, universal e grego: Só se alumiam os espíritos com a chama das fogueiras, e a verdade não pode brilhar com luz própria.