Miguel em Portugal?
- Eu, senhor, eu! - respondeu o padre, batendo na arca do peito com as mãos ambas. - eu!
O veríssimo folheava o punhal dos corcundas, e parecia não perceber a veemência do padre.
- Bons desejos, bons desejos do caro abade..
- E de quase toda a nação portuguesa, senhor! D. Miguel I nunca deixou de reinar nos corações do seu povo. Eu tenho na minha alma o retrato dele desde que o vi há treze anos em braga e lhe beijei as suas reais mãos! - escandecia-se o entusiasmo, punha as mãos, chamejavam-lhe nos olhos reflexos do fogo interno; e o veríssimo continuava a folhear o punhal dos corcundas.
- Então viu-o, abade?
- Sim, meu senhor, vi-o com estes olhos, toquei-lhe com estas mãos.
- Ainda se recorda das suas feições?
- Perfeitamente.
- Ah! Se o visse hoje, decerto o não conhecia... Está muito acabado.
- Conhecia, conhecia..
O abade sentiu um raio de dramatização que o vibrou todo. Eriçaram-se-lhe os cabelos, e coou-lhe pela espinha uma faísca elétrica. Fez um passo atrás, e quando o veríssimo repetiu: “era impossível conhecê-lo”, o padre pôs um joelho em terra, estendeu o braço direito, e com o dedo indicador em riste, exclamou:
- Ei-lo! Ei-lo!
- O abade! O senhor está alucinado! Por quem é, levante-se! Eu não sou quem pensa!
- Estou como devo estar diante do meu rei! - teimou o abade, com os dois joelhos no sobrado.
- Levante-se que vem gente! - dizia o outro, ouvindo passos na escada.
Era o nunes.
- Entre, amigo! - disse o abade, respondendo ao vizinho que pedia licença.
Torcato encontrou o abade de joelhos e o veríssimo esforçando-se por levantá-lo.
- Ajoelhe ao meu lado, nunes! Que eu estou aos pés de el-rei! - exclamou o padre.
E o outro, ajoelhando:
- Eu já o sabia, real senhor!
Foi assim que se inaugurou a corte de D.