É o mais que se pode dizer sem escandalizar ninguém. Conhecia-lhe o leito.
Mas o Zeferino é que sentiu em cheio no peito amante a facada do escândalo. O oficial viu-o sentar-se sobre uma padieira que estava esquadriando, e, com o rosto entre as mãos, desfazer-se em choro. Ele tinha amado aquela rapariga desde que a vira aos treze anos. Trabalhara e roubara como galego para a poder comprar ao pai por um conto e quinhentos e pico. Meteu-se na política; fez-se sargento-mor a ver se se levantava a uma altura em que a marta o achasse digno dela e superior ao estudante. Desabadas as esperanças com a prisão do patife de calvos, pensava ainda em voltar de novo ao campo quando viesse o D. Miguel autêntico, porque o tenente-coronel de quadros lhe dizia que el-rei chegava a Portugal na primavera do ano seguinte - Afirmava-lho o padre rocha, para o consolar juntamente com as bebedeiras quotidianas. Tudo acabado, perdido, como se lhe morresse a Eva do seu paraíso! E por isso o pedreiro chorava como os grandes poetas traídos, como camões, como Tasso, como Alfredo de Musset. As lágrimas na cara tostada daquele operário tinham o travo das que a poesia cristalizou no panteão dos mártires do amor.
Depois, levantou-se, limpou as faces à manga da camisa, pegou da esquadria e continuou a trabalhar, assobiando a música triste de uma cantiga desse tempo:
Ó mar, se queres,
Tem dó de mim.
Estes assobios eram o silvo da serpente da vingança; mas o seu rancor não punha a pontaria em marta. Se deixava de cinzelar a pedra, e fitava os olhos extáticos num imenso vácuo, via passar lucilante a imagem da pequena, pura, angelical como a vira aos treze anos. Um grande romântico - uma explosão de ideias que florejavam daquele pedreiro como um canteiro de boninas nos musgos de um penhascal.